A república dos “falastrões”
Fui abalroado por um
léxico que há muito não ouvia sair da boca de um político ao, no sábado dia 20
de maio, me deparar com o pronunciamento do presidente Michel Temer no Palácio
do Planalto. Falastrão! Dizia o presidente. Um empresário - afirmava o
mandatário da nação -, em pleno início de um novo vôo da economia brasileira
rumo ao crescimento, mirou a sua carabina no motor no avião e disparou!
Falastrão; boquirroto; aquele que fala muito; aquele que não consegue guardar segredos;
ou é muito inconveniente e indiscreto.
O episódio tratado pelo
presidente é mais um parágrafo do livro da república brasileira, que vem sendo
escrito desde os seus primórdios, marcado pela supremacia de grupos econômicos
– se quiserem burguesias – forjadas a golpes de uma aristocracia rural,
escravocrata, paternalista, corporativista que, em episódios recentes da nossa história,
praticou o clientelismo, a dominação de grupos sociais vulneráveis e o controle
eleitoral.
O horizonte cultural
que marca a estrutura dessa elite burguesa é excludente, não tematizou em sua
agenda de modernização do país, ao longo do período republicano, a inclusão de
grupos sociais “invibilizados”, marginalizados e que se mantiveram vivos com as
migalhas produzidas por um capitalismo – distante do liberalismo – selvagem. A
burguesia brasileira, como apontava o renomado sociólogo Florestan Fernandes,
fez a sua unificação no Estado antes de fazê-la na sociedade. Portanto, o
Estado atuou [e atua] como o agente das modernizações econômicas de setores da
burguesia brasileira potencializando seus ganhos e suas ambições. Videm o papel
do BNDES na construção do império JBS.
Entretanto, não é esse
o papel do Estado. O Estado deve, em seu processo revolucionário de
transformação e modernização da sociedade, encaminhar mudanças sociais que
reconfiguram o horizonte cultural e projetam uma nova agenda política, também
transformadora. O papel dos grupos vulnerabilizados no processo de consolidação
do Estado Nação seria fundamental. Esses grupos, politizados, organizados em
instituições [que chamamos, na atualidade, de direito privado, mas com ações e
projetos públicos] deveriam impor uma agenda que levasse em conta a força
desproporcional que os extremos de um cabo de força, que está tensionado há
décadas, produzem na sociedade brasileira. Em outros termos, cabe uma pergunta:
por que o povo deve arcar com uma reforma da previdência diante de tantos
desvios de recursos públicos e gestões no Congresso que privilegiaram grandes
corporações industriais com a desoneração de impostos? A conta deverá ser paga
por nós?
Michel Temer é um
político da velha guarda. Um político que não atentou para as transformações de
uma sociedade em profunda metamorfose. Uma sociedade em um país que se
modernizou, de forma conservadora, e que produziu centros urbanos com profundos
antagonismos. Centros urbanos com bolsões de inclusão social, que os conectam a
uma sociedade global, tecnológica e midiática, e outros, em áreas denominadas
de urbanização espontânea, que são regiões medievais, desde o formato das ruas,
ruelas, vielas e avenidas, até a total precarização da vida cotidiana,
desprovida da mais básica qualidade de vida. É com essa sociedade que o presidente
Temer tem que dialogar. É com essa população que o presidente tem que
manifestar seus votos de um “feliz dia das mulheres” [cuidadoras dos lares
brasileiros], e alegrar-se do fato de a população brasileira ser cordial [mesmo
diante dos terríveis indicadores de violência urbana que colocam o Brasil no
mapa dos países que possuem uma “guerra civil” em curso]. Em ambos os casos,
Temer mostrou-se eficientemente incapaz de dialogar com essas agudas dimensões
sociais. Deslizou, cometeu gafes e mostrou-se um presidente encapsulado nas
esferas de poder que tratam de uma realidade brasileira distinta: a dos grandes
acordos, a dos descumprimentos legais, a da conivência com ilícitos etc.
O governo Temer foi
parido de uma realidade política controversa. Nasceu da deslegitimação do
governo Dilma [proposital, se pensarmos no processo jurídico-congressual, e,
construída, se pensarmos na reação da ex-presidente no seu desenrolar], oriunda
dos bastidores do poder em Brasília. De qualquer maneira, Temer é o presidente
e, enquanto tal deveria guardar alguns cuidados em sua relação com a elite [que
descrevemos anteriormente], sobretudo em reuniões que são “agendadas” após o
expediente de trabalho. Em outros termos, ouvir sobre crimes, sobre cooptações
e pagamento de propinas em uma noite qualquer dentro do Palácio Jaburú e, sendo
o mandatário máximo da nação, conduzir o diálogo como se fosse uma pitoresca
conversa de botequim, não é o que esperamos de um Presidente da República. Ele
errou, foi omisso, não informou os órgãos de Estado responsáveis pelas
providências jurídicas diante do relato do proprietário da JBS sendo que, o
próprio presidente possui uma carreira política que se funde com o campo
jurídico, pois foi professor de direito é advogado e foi procurador. Portanto,
possui amplo conhecimento de nosso arcabouço jurídico e sabia, de antemão, que
sua conversa não era republicana e tratava de crimes contra o Estado e o povo
brasileiro.
A derrocada do governo
Temer parece ser um minueto de uma obra muito maior. Não compactuo com teorias
conspiratórias, mas por que os meios de comunicação estão a chancelar o
processo de deterioração do governo?
Por que a bancada congressual
apoiadora de seu governo, rapidamente, o abandona sendo que, segundo muitos de
seus membros, era um governo tampão?
Antecipar eleições, sem
que os desdobramentos das investigações da operação Lava Jato tenham findado
nesta etapa, parece-me mais uma orquestração no sentido de utilizar as eleições,
em um cenário de aprofundamento da crise dos partidos políticos, como uma
vacina. A crise dos partidos políticos, tragados pelas delações,
inviabilizariam, para 2018, os consensos na condução/construção de lideranças
que disputariam o pleito. Será esta a hipótese que está a acelerar o isolamento
do governo Temer?
Creio que o momento
seja de tomarmos às ruas. Devemos nos empoderarmos de algumas posturas que
deveriam perpassar quaisquer posicionamentos políticos ou orientações ideológicas:
necessidade da reforma política; rito constitucional na substituição do atual
presidente, somado a um processo de reforma política. No limite, novas eleições
para a Câmara, Senado e Presidência da República, vinculadas a um debate
nacional sobre as questões chaves desse processo de crise que vivemos:
financiamento de campanhas, reforma previdenciária, reforma do sistema
eleitoral, reforma partidária, impostos sobre grandes fortunas [para financiar
a denominada “necessidade” de saneamento da previdência].
Qualquer debate
conduzido fora dessas questões atropelará a ordem de importância das coisas.
Confundirá o eleitorado e agudizará a crise política que vivemos. O “Fora
Temer” não poderá se transformar na redenção para os nossos seculares
problemas. Poderá, por outro lado, se transformar na ponte para mudanças
revolucionárias, radicais e, por assim serem, inclusivas.
Rodrigo Alberto
Toledo
É doutor em Ciências Sociais, com
período sanduíche na Universidad de Salamanca, Espanha. Mestre em Sociologia.
Pesquisador de Pós-Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
da UNESP-FCLAr e Professor Substituto no Departamento de Administração Pública
da mesma universidade.
É autor do livro “Do projeto ao plano: a
corrente urbanística paulista”, pela Editora Rima.
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Grande abraço.