Confissões não se conseguem com bombons!


Foto de Jeff Widener conhecida como O Rebelde Desconhecido de Tiananmen

Essa frase marca profundamente um período da história do Brasil que muitos tentam esconder. Dita pelo arcebispo D. Geraldo Sigaud na década de 1960, em pleno governo dos generais, demonstra que as atrocidades cometidas contra os direitos humanos eram chanceladas por figuras do alto clero brasileiro. Período que se inicia com o golpe de 1964 e se estende até o ano de 1985 com o último presidente general Figueiredo, aquele que gostava do cheiro de cavalos e odiava o do povo, o regime militar ainda desperta muito interesse de pesquisadores que pretendem analisar momento tão obscuro de nossa história. Castelo Branco inicia-o no ano de 1964, com o título de governo da volta à normalidade. Sim, foi esse um dos pretextos utilizados pelos militares para que rasgassem a ordem constitucional vigente e conduzissem o Brasil por um dos caminhos mais tortuosos e tristes de sua história. Está claro para nós hoje que esse plano de construção da normalidade não encontrava consenso entre a alta cúpula dos militares. Parece-nos óbvio que para alguns militares assumir o controle do país atendia à uma expectativa antiga, talvez datada de momentos antes do suicídio de Getúlio Vargas em 1954, e que estava também alinhada aos interesses estadunidenses para a América Latina. Ou seja, nesse momento ao apetite pelo poder da cúpula militar se somou uma necessidade geopolítica de controlar as disputas políticas na América Latina para impedir o avanço do socialismo para além da Ilha de Cuba. Para outros militares, assumir o poder fugia às prerrogativas das forças armadas, mas em um momento excepcional como o que aflorava do desarranjo político que assolava o país desde a renúncia de Jânio Quadros, parecia fundamental e necessário. Costa e Silva assume após os anos de governo de Castelo Branco, e, ceifado por uma isquemia cerebral em pouco tempo de governo, demonstrou que pertencia ao grupo de militares radicais que desejam romper profundamente com a ordem constitucional e submergir o país em um regime de exceção. Durante muitos anos da ditadura militar foi essa a lógica seguida pelo Estado em sua relação com os grupos sociais que contestavam o regime. Muitos crimes contra os direitos humanos foram cometidos. Muitos dos que cometeram os crimes, ainda hoje vivos, estão impunes e corroboram a imagem de um país que tem "medo" de resolver passado tão nebuloso. Talvez esse medo resida em uma percepção de que o inimigo esteja perdido em uma aura de sentimentos confusos que foram forjados durante o próprio regime militar. Em outras palavras, a propaganda ufanista era tão convincente para determinados setores da sociedade que acabou por contribuir na construção de uma névoa de mau necessário ao país. O Brasil é feito por nós. Brasil, ame-o ou deixe-o. Este é um país que vai pra frente. Pise firme que esse chão é seu, propaganda do sapato conga. Esses são exemplos das frases que estampavam cartazes e outdoors durante o período militar. Atentem, afirmamos que era convincente somente para determinados setores sociais, pois houve muitas resistências. O movimento estudantil promovido pela hoje paralisada UNE teve um papel importante no período. A luta armada também foi um recurso utilizado por brasileiros, principalmente estudantes e militares como o Lamarca, para contestar o regime ditatorial imposto pelos generais. As principais ações desses últimos foram os sequestros de embaixadores. O embaixador Charles Burke Elbrick, sequestrado em 1969, foi trocado por 15 presos, dentre eles o petista José Dirceu. O alemão Ehrenfried von Hollben foi sequestrado em junho de 1970 e trocado por 40 presos. O suíço Giovanni enrico Bucher foi sequestrado em dezembro desse mesmo ano e trocado por setenta presos, numa negociação em que o governo vetou dezessete nomes. Esses eventos demonstram que o regime militar viveu momentos tensos e que, em muitos deles, foi obrigado a negociar com os terroristas, antes estudantes e militares, para que a sua imagem no exterior não se deteriorasse ainda mais.
O processo de abertura política foi costurado por um grupo de militares que perceberam que o regime já estava fazendo água. Um dos dados mais consistentes e que comprovava que a crise se avizinhava era o da economia. A política econômica de Delfim Neto, concentradora de renda e com altas taxas de crescimento, foi corroída, principalmente, pela crise do petróleo de 1973. Os anos seguintes assistiram à uma lenta e gradual abertura política que se cristalizou na figura do presidente contraditória de Figueiredo. Eleições indiretas, acotoveladas por um movimento social autêntico denominado Diretas Já!, elegeram Tancredo Neves e José Sarney, sim este último protagonista da crise de corrupção regada com nepotismo e despotismo do Senado Federal, para presidente e vice-presidente da república. E em um contexto que só pode ter sofrido as influências de um inferno astral, o Brasil assistirá o definhamento da saúde de Tancredo que se inicia na véspera de assumir a presidência em 1985 e se arrasta até abril desse ano quando falece. Sarney é o responsável pela retomada democrática brasileira. O mesmo que hoje a compromete foi responsável pelo convite oficial, feito à sociedade brasileira, para elaborar um novo ordenamento jurídico que pudesse sepultar definitivamente os anos de tortura, aviltamento das liberdades sociais e da livre expressão. Confesso que realmente os motivos que temos para comer bombons são poucos. Confissões não se conseguem com bombos, mas se edificam em um estado de direito solidamente construído. Infelizmente alguns setores caducos da política brasileira ainda agem com a mesma e truculenta força do regime militar. Afinal, a violência pode assumir diversos formatos não apenas aquele que fere e mata, mas também os que estão camuflados em um Estado corrupto e paternalista. Está na hora de entendermos que a corrupção fere e mata tanto quanto as torturas praticadas pelo regime militar.



Rodrigo Alberto Toledo
Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, São Paulo. Estágio doutorado na Universidad de Salamanca, España, no Instituto Iberoamericano e no Centro de Estudos Brasileños com financiamento da Bolsa CAPES – PDSE, processo número 526211-9. Trabalho apresentado no formato de comunicação no VI Seminário do PPGCP da Universidade Federal Fluminense nos dias 09, 10 e 11 de novembro de 2011. Mesa Reformas Urbanas e Agrárias.

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