Uma vida acadêmica

Na noite desta segunda-feira passada, 21de junho, estive na Unesp para assistir a apresentação de um relançamento do livro do Prof. Dr. Marco Aurélio Nogueira, O encontro de Joaquin Nabuco com a política: as desventuras do liberalismo, editora Paz e Terra. O que era pra ser um encontro do mestre com seu antigo aluno acabou se transformando em um episódio de retrospectiva das memoráveis aulas ministradas por esse professor em minha época de graduação. O Prof. Marco Aurélio foi o segundo professor a entrar na sala de aula no meu primeiro dia de aula. Inicialmente tivemos contato com o memorável Prof. Evaldo Sintoni que, impecavelmente, explicou o curso de Ciências Sociais. Em seguida, e da mesma forma impecável, o Prof. Marco Aurélio falou um pouco da grade curricular.

Em todos os momentos posteriores pelos quais nos encontramos as inquietações sempre oscilavam entre a república contemporânea e as suas bases históricas de formação e a construção de uma proposta de Estado Liberal no final do Segundo Reinado.

A questão monárquica sempre foi um desafio para minhas análises, mas o Prof. Marco Aurélio, com a clareza de um cristal lapidado, sempre apresentou as idiossincrasias desse processo. Nessa noite, assisti na apresentação do Prof. Marco Aurélio um conjunto de interpretações teóricas a respeito da construção de uma proposta liberal de Estado que começou a ser gestada no final do Segundo Império. O paladino dessa proposta foi Joaquin Nabuco que, no bojo de uma luta contra a escravidão, engajou-se politicamente e elaborou um projeto de nação que passava não apenas pelo fim do regime de trabalho escravo, mas também pela introdução desse negro liberto no mercado de trabalho. Dessa forma, algumas questões postas por Joaquin Nabuco, em seu tempo, e devido à permanência dessas questões em seu estado não-resolutivo ao longo desses mais de 100 anos, acabam por compor um rol de problemas que ainda atormentam qualquer cidadão que queira projetar para o futuro uma realidade social brasileira mais justa. Em outras palavras, Joaquin Nabuco tinha plena clareza que o fim da escravidão no Brasil não deveria apenas ser desconstruído juridicamente com a criação de leis abolicionistas que culminassem na libertação, como ocorreu em maio de 1888, dos escravos.

A escravidão construiu uma obra que adentrou em todos os lares brasileiros e passou a ser uma referência que precisa também ser desconstruída. Não deveria nos bastar apenas à criação de Lei que ordenasse juridicamente o campo do trabalho com a proibição da escravidão, mas deveríamos pensar num conjunto de propostas que promoveriam o desmantelamento de um Estado e uma sociedade escravocrata, a saber: gestões para a descentralização do governo monárquico aumentando a autonomia das províncias; libertação dos escravos ainda cativos no ano de 1888 sem pagamento de indenizações; promoção da reforma agrária e dotação de condições físicas e financeiras para que os cidadãos pudessem produzir; promover a igualdade educacional da população para que os anos de isolamento do ex-escravo pudessem ser superados. Em certa medida, essas ações promoveriam uma verdadeira revolução que conduziria para um estágio superior de sociedade. Entretanto, perdemos essa oportunidade, como bem apontou o Prof. Marco Aurélio, ao reforçarmos um estado que foi erigido sobre bases desiguais, segregatórias e descompromissado com a desconstrução do que Nabuco chamou de “verdadeira obra da escravidão”. O fim da monarquia em 1889 produzirá um efeito deletério em Nabuco que se isola politicamente. A forma de governo monárquica era a mais capacitada, para Nabuco, para conduzir essas mudanças. Ele se inspirava na monarquia inglesa. Com o golpe de novembro de 1889, Nabuco abandona a tribuna política e o Brasil caminha para a construção de uma sociedade costurada politicamente em cima do corporativismo, clientelismo, instrumentalismo e atavismo.

Essas são as bases formadoras da sociedade brasileira e, em certa medida, as suas próprias amarras. Talvez a força necessária para desatar esses nós estivesse contida nas propostas liberais de Nabuco. Que sejamos os “Nabucos” do século XXI, foi essa a mensagem que absorvi nessa noite de reencontro intelectual e acadêmico. Parabéns a um dos principais intelectuais brasileiros, Marco Aurélio Nogueira.


Rodrigo Alberto Toledo
Doutorando em Sociologia com período sanduíche na Universidade de Salamanca, USAL, Instituto Iberoamerica e Centro de Estudos Brasileiros, tendo como objeto de pesquisa o processo de planejamento urbano da cidade de Araraquara e sua relação com a FAU-USP e processos participativos na formulação de políticas públicas urbanas. Tem Mestrado Acadêmico em Sociologia e Especialização em Gestão Pública e Gerência de Cidades (2001) pela UNESP-FCLAr-PPG. Licenciatura Plena e Bacharelado em Ciências Sociais pela UNESP-FCLAr. Foi presidente da ONG Araraquara Viva e coordenou inúmeros projetos socioambientais que foram aprovados pelo Ministério da Cultura, Lei Rouanet. É bolsista do programa CAPES.

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