Vinho branco seco

Manhã do dia 28 de julho de 2009. A janela se mostra receptiva ao sol, fraco e tímido, e às imagens que insistem em cruzar seu contorno. Sentado e prestes a iniciar uma nova caminhada pelo restante do ano. A profissão é professor, mas bate um sentimento de querer ser mais alguma coisa. Talvez um rico professor caso o destino não tivesse feito com que eu acertasse apenas 4 números na mega sena de 56 milhões de reais. No quarto logo ao lado, a busca por todos os sentido que vão da existência em si até o conformismo imposto pela abrupta mudança. A manhã se alterna em dimensões, ora parece pequena, ora parece grande demais para eu suportar. Pelo mundo afora todas as notícias rompem dentro do peito numa angustiante impotência diante das decisões de líderes decrépitos. Na presidência da república, o produto das raízes do Brasil. Um líder meritocrático, para ele as conquistas e direitos vinculam-se ao mérito. Portanto, no meu peito eis outra angústia. O presidente do Brasil acabou de afirmar que José Sarney não deve ser tratado como cidadão comum. Jogou ao solo, com essa frase digna de um coronel do início do século XX, aquilo que ainda marcava positivamente seu mandato: sua origem das camadas sociais mais empobrecidas. Aliás, qual outra forma de relação foi construída com essas camadas ao longo do tempo no Brasil? Obviamente que uma relação de subserviência, de paternalismo e de emudecimento pelo cultivo da ignorância. No Senado, outro exemplo de inversão de valores: como pode um senador dormir com o peso de 40 indicações para cargos públicos, muitos seus parentes? Quais valores forjaram esses homens públicos que acham absolutamente normal indicar um namorado da neta para um cargo no gabinete de um outro senador da base aliada e que pertence à mesa diretora da casa? Estamos dentro de um labirinto, dentro de uma roda viva. E o Barack Obama? Elogiado por nosso presidente, 'o cara", como o mais brasileiro de todos os presidentes estadunidenses. Nesse cenário tudo se corrompe, tudo se perde e nada se cria. Ao cidadão comum, trabalhador professor ou não, resta o sonho proporcionado por um copo de vinho branco seco numa manhã de terça-feira ou as imagens perfeitas do acordar numa quinta-feira rico pela mega sena. Ser rico no Brasil é pertencer à categoria dos que podem ser considerados cidadãos. Infelizmente a nossa cidadania ainda é monetária, meritocrática, paternalista, e, portanto, excludente. Acordem-me desse pesadelo!


Rodrigo Alberto Toledo
Doutorando em Sociologia com período sanduíche na Universidade de Salamanca, USAL, Instituto Iberoamerica e Centro de Estudos Brasileiros, tendo como objeto de pesquisa o processo de planejamento urbano da cidade de Araraquara e sua relação com a FAU-USP e processos participativos na formulação de políticas públicas urbanas. Tem Mestrado Acadêmico em Sociologia e Especialização em Gestão Pública e Gerência de Cidades (2001) pela UNESP-FCLAr-PPG. Licenciatura Plena e Bacharelado em Ciências Sociais pela UNESP-FCLAr. Foi presidente da ONG Araraquara Viva e coordenou inúmeros projetos socioambientais que foram aprovados pelo Ministério da Cultura, Lei Rouanet. É bolsista do programa CAPES.

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