OS ASSECLAS E A REFORMA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

“(...) somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra (...). Podemos construir obras excelentes, enriquecer nossa humanidade de aspectos novos e imprevistos, elevar à perfeição o tipo de civilização que representamos: o certo é que todo o fruto de nosso trabalho ou de nossa preguiça parece participar de um sistema de evolução próprio de outro clima e de outra paisagem”.

Sérgio Buarque de Holanda. Raízes do Brasil.


Este trecho escolhido para iniciarmos algumas análises que pretendemos fazer sobre a reforma do Estado traz à luz, talvez, o germe do que foi a formatação das instituições representativas da sociedade brasileira. Uma sociedade que se modernizou sem ter resolvido seus mais profundos e antigos problemas acabando por amplia-los ao invés de minimiza-los. Pensar sobre a reforma do Estado (e da administração) conduz-nos necessariamente à análise dos recursos humanos públicos.
A globalização está marcando uma sociedade que espera respostas rápidas às suas demandas. O Estado, percebedor deste desenrolar, está implementando processos nas rotinas administrativas dos servidores sem que estes participem da formulação destes. Temos, desta forma, por um lado uma sociedade que está cansada do desempenho estatal, culpando os funcionários públicos pelos desacertos, e, por outro servidores que estão definhando a sua auto-imagem. Para estes abrem-se três visíveis opções: ou deixam-se abater pela apatia, ou a esperar o fim da carreira, ou simplesmente se rebelam. Qualquer que seja a opção adotada pelo servidor, fato comum é que deixam de remeter lealdade ao Estado dando as costas a qualquer reforma governamental. Abrindo, desta forma, amplo terreno para a atuação dos lobbies que resistem à mudança.
A idéia de reforma não traz consigo, quando aprovada pelo servidor, a total solução dos entraves na administração pública. Somente trará melhorias substantivas se conseguir quebrar o invólucro negativo da auto-imagem dos servidores, aumentar sua lealdade e conduzi-los efetivamente como componentes fundamentais do Estado.
Significa dizer que já deveria estar em curso uma mega-operação nas várias instâncias governamentais para redefinir os recursos humanos do setor público. Os desajustes são muitos e é fácil imaginar o que produziram. Mas é difícil imaginar como daremos cabo de toda esta situação revertendo-a. O setor público vive um quadro de anacronismo crônico necessitando de criatividade e iniciativa ao invés de rigidez normativa: o centro mesmo das organizações agora deveria ser as pessoas. Nas palavras de Marco Aurélio Nogueira no livro As Possibilidades da Política, Idéias para a Reforma Democrática do Estado: “(...) que o empreendorismo ganhe valorização em detrimento da obediência cega e passiva aos estatutos”.
Os pontos chaves desta análise até agora em curso, de acordo com Nogueira, seriam: política de formação e impulsionamento radical da conversão da postura e mentalidade do servidor público. As exigências deste novo século requerem profissionais vacacionados para atuar pautados em conhecimento científico, criatividade, conduta ética, visão política e sensibilidade social, como afirma Nogueira. Ou seja, um funcionário que tenha capacidade de resposta no mesmo tempo de uma sociedade solicitante complexa. O Estado precisa urgentemente investir maciçamente em seus quadros redimencionando-os e qualificando-os. Para que isso ocorra, o Estado brasileiro necessita de uma dose cavalar de democratização: precisa ser, segundo Nogueira, “(...) encharcado de transparência, de agilidade legislativa, de cidadania, de participação popular nas decisões e operações estatais – de articulação, portanto, da democracia representativa com a democracia participativa -, de inovação política e institucional, de real responsabilização governamental”.
O que vemos, por outro lado, é uma continua construção de espaços de interação das demandas da população desprovidos das mínimas condições humanas aceitáveis num Estado democrático. Espaços públicos privatizados por máquinas partidárias que em um mundo microscópio local passam despercebidos. Fato evidente na área da habitação na esfera Estadual, onde asseclas dão o destino das demandas deste setor em âmbito local. São espaços insalubres (tanto para funcionários quanto para o público) que corroboram a construção de um Estado que modernizou-se pautado em um modelo, talvez importando como diria Sérgio Buarque de Holanda, que em nada se conecta com as características das demandas sociais da população.
Espaço carente de ética, de profissionalismo (que em muitos momentos até existe às duras penas de funcionários que se sensibilizam com o social), de criatividade e de transparência. É a contínua construção de um modelo autoritário e clientelístico de barganha de cargos e salários tendo como foco a efetivação da máquina partidária em detrimento dos recursos humanos públicos e da sociedade que ali busca a solução de seus problemas de cidadania.


Rodrigo Alberto Toledo
Doutorando em Sociologia com período sanduíche na Universidade de Salamanca, USAL, Instituto Iberoamerica e Centro de Estudos Brasileiros, tendo como objeto de pesquisa o processo de planejamento urbano da cidade de Araraquara e sua relação com a FAU-USP e processos participativos na formulação de políticas públicas urbanas. Tem Mestrado Acadêmico em Sociologia e Especialização em Gestão Pública e Gerência de Cidades (2001) pela UNESP-FCLAr-PPG. Licenciatura Plena e Bacharelado em Ciências Sociais pela UNESP-FCLAr. Foi presidente da ONG Araraquara Viva e coordenou inúmeros projetos socioambientais que foram aprovados pelo Ministério da Cultura, Lei Rouanet. É bolsista do programa CAPES.

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